FRETE GRÁTIS sul e sudesteNas compras acima de R$350
Carrinho de compras
Seu carrinho está vazio no momento.

Como o Brasil foi para as Olimpíadas de 1932 vendendo café pelo caminho

Tem história que parece exagero. Outras parecem mentira bem contada. Algumas soam como lenda urbana.

E tem aquelas que, justamente por serem absurdas demais, só podem ser brasileiras.

A participação do Brasil nos Jogos Olímpicos de 1932, em Los Angeles, é uma dessas.

É difícil acreditar que um país tenha enviado sua delegação olímpica inteira num navio cargueiro abarrotado de sacas de café, apostando que conseguiria pagar a viagem vendendo o produto “no caminho”.

Mas o Brasil dos anos 1930 era exatamente isso: meio trágico, meio genial, completamente improvisado.... e profundamente nosso.

Ilustração artística de atleta brasileiro correndo em um porto com sacas de café e navio cargueiro ao fundo, simbolizando a viagem olímpica de 1932.

1) O Brasil estava quebrado. Mas café não faltava.

Em 1929, o mundo entrou em colapso.

A crise econômica global derrubou bolsas, moedas e, principalmente, o preço do café, que era praticamente o único grande produto de exportação do Brasil naquela época.

Resultado: armazéns abarrotados, governo sem dinheiro, economia travada e um país politicamente instável, às vésperas da Revolução Constitucionalista de 1932.

E aí vem uma das partes mais insanas da história econômica do Brasil: entre 1931 e 1944, numa tentativa desesperada de reduzir a oferta global e fazer o preço subir, o país queimou café.

Estima-se que cerca de 70 milhões de sacas foram queimadas, usadas como combustível em caldeiras ou até jogadas ao mar.

Sim. O Brasil literalmente torrou café em escala industrial.

Daí surge a pergunta inevitável:

Como enviar uma delegação olímpica se não havia dinheiro nem para o básico?

A resposta brasileira foi direta, prática e completamente fora da curva:

“Ué… manda café.”

2) O café que tentou pagar uma Olimpíada

O Brasil de 1932 não mandou atletas para a Olimpíada. Mandou café. Os atletas foram junto.

Vista panorâmica do estádio durante a cerimônia de abertura das Olimpíadas de 1932 em Los Angeles.

A lógica era simples (e perigosamente otimista): se dinheiro faltava, mas café sobrava até entupir armazém, bastava embarcar tudo num navio, vender pelo caminho e pagar as contas quando chegasse.

O café não era pouco. Estimativas apontam entre 50 e 55 mil sacas. Café verde, commodity, sem glamour, sem história bonita no rótulo. Era café “pra salvar o caixa”, não “pra salvar o paladar”.

Naquela época, o Brasil produzia mais café do que o mundo conseguia beber. O problema não era falta de café, era café demais.

E aqui mora a ironia perfeita: o mesmo café que sustentava o país era o café que estava quebrando o país.

Preço no chão. Armazém lotado. Comprador sumido.

Mesmo assim, lá foi ele, firme e confiante, ocupando o porão do navio Itaquicê como se dissesse: “Relaxa. Eu resolvo.”

Não resolveu.

O café brasileiro ainda enfrentava tarifas pesadas de importação nos EUA, o que deixava a venda ainda menos atrativa. Vender já era difícil. Vender bem era quase ficção.

O café ajudou. Mas não salvou.

3) O navio improvável: SS Itaquicê

A delegação embarcou no cargueiro SS Itaquicê, levando junto aquelas mesmas 50 a 55 mil sacas de café.

Não era navio de turismo. Não era confortável. Não tinha glamour olímpico.

Navio cargueiro Itaquicê transportando a delegação brasileira e sacas de café rumo às Olimpíadas de 1932.

Era um navio militar da Marinha, escolhido por um motivo bem prático: navios civis pagavam taxas para atravessar o Canal do Panamá.

Dinheiro que o Brasil simplesmente não tinha.

No meio das sacas estavam atletas, dirigentes, jornalistas, familiares e até uma banda da Marinha!

Uma mistura improvável de cruzeiro, farofada, improviso e feira ambulante flutuante.

A rota também não era moleza:

Atlântico → Caribe → Canal do Panamá → Costa Oeste dos EUA

Mais de 7.000 milhas náuticas até Los Angeles.

E foi justamente no Canal do Panamá que o improviso brasileiro ficou explícito.

Autoridades locais perceberam que o Itaquicê estava “maquiado” como navio de guerra. O motivo era simples: navios militares não pagavam as tarifas cobradas dos civis.

Os fiscais desconfiaram. Investigaram. E, claro, deu problema.

O episódio atrasou a viagem e escancarou o nível de improviso da operação.

Enquanto isso, o plano principal seguia falhando: o café não vendia como esperado.

O Itaquicê seguia viagem carregado de sacas e de esperança.

4) Chegada aos EUA e o segundo absurdo

Ao chegar no porto de San Pedro, em Los Angeles, veio o detalhe que ninguém previu:

Cada pessoa precisava pagar 1 dólar para desembarcar!

Parece pouco hoje. Em 1932, para aquela delegação, era um muro.

Resultado: nem todos puderam descer do navio.

A decisão foi cruel e pragmática: desembarcariam primeiro os atletas com mais chance de resultado e Maria Lenk, a primeira mulher sul-americana a competir numa Olimpíada.

Maria Lenk, primeira mulher sul-americana a participar de uma Olimpíada, durante os Jogos Olímpicos de 1932.

O navio seguiu para São Francisco com o restante da carga, e o restante dos atletas que não possuiam 1 dólar, tentando vender mais café.

Mesmo assim, parte da delegação nunca chegou a competir.

Estimativas apontam que cerca de 15 atletas sequer pisaram em solo americano.

5) O herói improvável: Adalberto Cardoso

Se essa história fosse um filme, o protagonista seria Adalberto Cardoso, atleta da Marinha.

Ele não conseguiu desembarcar em Los Angeles por não ter o dinheiro.

Só saiu do navio lá em São Francisco.

A prova dele? 10.000 metros.

O problema? São Francisco fica a mais de 600 km de Los Angeles.

Atleta brasileiro Adalberto Cardoso, da Marinha, competindo nas Olimpíadas de 1932 após a longa viagem da delegação brasileira

Como ele fez esse trajeto? A pé, de carona, improvisando.

Jeito brasileiro de se virar quando não tem plano B e às vezes nem plano A.

Quando chegou ao estádio, faltavam 10 minutos para a largada.

No meio da correria, ainda esqueceu a mochila em um dos carros que lhe deram carona.

Ele estava exausto, sem uniforme oficial, sem tênis, sem comer, sem dormir. Pediu uniforme emprestado, olhou pros pés e correu descalço.

Chegou em último lugar.

Mas a imagem daquele homem destruído, cambaleante, se arrastando pela pista até o fim, emocionou o público.

Os juízes, ao descobrirem toda a história, concederam uma medalha de honra para Adalberto.

A imprensa americana deu o apelido que ficaria e o acompanharia para sempre:

“Iron Man”: O Homem de Ferro.

6) A participação brasileira (e o “suco de Brasil” que ninguém pediu)

A delegação tinha 67 atletas, mas nem todos competiram.

Resumo duro:

  • Nenhuma medalha
  • Melhor resultado: 4º lugar no remo
  • Maria Lenk entrou para a história, mesmo sem chegar à final
  • Várias provas prejudicadas por atraso, falta de treino e problemas logísticos
Momento de queda durante prova equestre nas Olimpíadas de 1932, retratando as dificuldades enfrentadas pelos atletas brasileiros da época.

Mas se você acha que a história já estava improvável, ainda tem mais.

Enquanto os Jogos aconteciam, o Brasil estava mergulhado na Revolução Constitucionalista de 1932 um conflito interno que consumiu a atenção do país nos meses de julho, agosto e setembro.

Além de toda essa confusão, nenhum atleta paulista integrou a delegação brasileira.

Atletas de São Paulo ficaram fora do time olímpico, não por uma escolha técnica, mas por contexto histórico.

E teve um episódio constrangedor com “cara de Brasil em dia ruim”: a equipe de polo aquático foi eliminada sumariamente depois que seus atletas agrediram o árbitro na partida em que perderam para a Alemanha.

Sim.

Briga com juiz. Em Olimpíada. Em 1932. Sem ninguém para filmar.

Outro detalhe espinhoso (e bem didático): há relatos de que o Comitê Olímpico Nacional bancou a viagem de dirigentes e familiares, enquanto muitos atletas, sem recursos pessoais e sem auxilio do goverto, tiveram que se virar.

Um prelúdio nada sutil de como o esporte brasileiro seria administrado por muitos anos: estrutura para poucos, improviso para muitos.

Com tudo isso somado: crise, conflito interno, logística improvisada, café que não vende, atleta que não desembarca, a campanha de 1932 virou, oficialmente: A pior do Brasil em Jogos Olímpicos

Extraoficialmente? Virou uma das mais simbólicas.

7) A volta para casa: mais um perrengue

Os Jogos acabaram. Os atletas ficaram felizes? Sim.

Tinham dinheiro para voltar? Claro que não.

Muitos precisaram:

  • Aceitar ajuda de brasileiros que moravam na Califórnia
  • Fazer bicos
  • Esperar navios de carga
  • Dividir passagens compradas por doações

Foram meses até todo mundo conseguir retornar.

8) Por que essa história importa tanto

Porque ela mostra o Brasil de corpo inteiro: improvisado, resistente, apaixonado, cheio de café até o teto, lutando com unhas, dentes e sorriso torto.

É uma história sobre crise econômica, poder do café, desigualdade no esporte, início da participação feminina nas Olimpíadas… e, acima de tudo, sobre coragem quando a estrutura não vem.

Não é sobre medalhas. É sobre caráter. Sobre alma. Sobre persistência. E sobre café.

Porque, no Brasil, no fim das contas, sempre tem café no meio da história.

Referências


Fazenda Jotacê

Coleção Origens

Seja muito bem-vindo à nossa Fazenda
O dia em que o Brasil foi às Olimpíadas vendendo café