Cafeicultores de instagram: o agro não é pop. É Photoshop
Vamos falar da nova geração de produtores de café.
Aquela que herdou o sobrenome, a terra, o drone e o feed colorido. Herdou o cartão de visita em kraft, o logo vetorizado, a frase "produzindo café com propósito".
Herdou tudo, menos o tranco.

A geração que sabe falar “regenerative farming” com sotaque de podcast, mas não sabe como reage uma lavoura depois de 90 dias sem chuva e 35 graus na sombra.
Não sabe o que é pele ardendo de sol, calça rasgada na cerca, bicho peçonhento escondido na roça.
Nunca ficou atolado até a cintura, puxando trator com corda e xingando até Deus, enquanto a calda vazava da porcaria do pulverizador
Nunca esmagou o dedo com marreta tentando soltar eixo enferrujado, nem ficou com as unhas pretas de graxa por semanas.
Mas sabe fazer vídeo com musiquinha folk, grão caindo em câmera lenta e legenda "raízes que me inspiram".
A roça virou palco
Você vê o instagram do sujeito: “Semeando propósito. Cultivando histórias. Colhendo conexões.”
Ah, vá pra puta que pariu.
Por que quem vive da roça agora se comporta como influencer de lifestyle?
As desculpas da geração boutique
“É porque queremos valorizar a vida no campo.”
Aham.
Valorizam tanto que chamam de "farm experience" passar dois dias na fazenda dormindo em chalé gourmet e tomando café na canequinha esmaltada.
Enquanto isso, quem colheu foi o mesmo peão que nunca recebeu um EPI decente, que trabalha há vinte anos ganhando pouco, que toma água quente da mangueira preta no sol de 38 graus e que nunca vai ter o nome citado em legenda alguma.
O close é deles. O trampo é de quem nunca pegou no celular.
A fase não é nova. O que é novo é o verniz.
É o QR code do projeto social na embalagem escondendo o fato de que o café é uma porcaria.
É o drone sobrevoando o talhão enquanto o mato toma conta da entrelinha.
É a live sobre sustentabilidade gravada no escritório com ar-condicionado, a 300km da fazenda, com alguém que nunca sujou a mão de terra.
O especialista de feed
Camisa de linho, botina de camurça sem um pingo de barro, calça jeans de grife, chapéu de aba curta com fitinha de couro fake. Anéis nos dedos. Mochila com drone. Três palavras em inglês pra cada frase:
“Esse lote é um experimental shade-grown em regenerative farm, com perfil sensorial clean e exótico.”
A verdade é dura:
Quem faz café de verdade sabe que a lavoura às vezes fede.
Fede a adubo orgânico, a herbicida, a suor. Às vezes, cocô mesmo, porque quem já passou o dia inteiro na roça sabe o que é precisar ir no mato.
Sabe que a mão arde no final do dia. Que o dedo estoura. Que o pé afunda na lama. Que a botina corta quando a enxada escapa.
Sabe que café bom não nasce do propósito. Nasce de poda bem feita, de aplicação no ponto, de chuva bem-vinda e da praga controlada.
Sabe que todo dia tem alguma merda nova: folha pintando, bicho comendo broto, bica entupida, serviço atrasado, caminhão atolado.
Mas esses detalhes não aparecem no vídeo de um minuto com trilha folk no fundo, né?
O mercado aplaude. Porque também é farsante.
Enquanto tiver comprador gringo que se emociona com legenda de Instagram, vai ter produtor fake vendendo conceito.
Enquanto torrefação pagar mais pela estética da fazenda do que pelo pós-colheita bem feito, vai ter neto de produtor empacotando mentira com verniz de propósito.
Enquanto marca grande botar moleque de camiseta bege como embaixador da lavoura regenerativa, mesmo sem ele nunca ter misturado um tanque de calda a farsa continua.
O café de verdade segue sendo feito sem filtro
Feito por quem não tem tempo pra ensaiar story.
Por quem acorda no escuro, toma café preto extra-forte e já sai com a roupa fedendo a produto.
Por quem já perdeu meia unha trocando um mancal de trator
Por quem sabe que café bom nasce na dúvida: vai chover ou não? Vai secar ou não? Vai brocar ou não?
Por quem trabalha de verdade, enquanto outros performam verdade.
E sim, pode até existir propósito.
Mas propósito que presta é construído em cima da realidade.
Não em cima de slogan pronto.
Não num mundo encantado onde o inseto não ataca, o mato não cresce, a mão não racha e o peão vira figurante de story.
Propósito não é frase bonita em embalagem. É compromisso com o chão.
Com quem planta, com quem colhe, com quem rala.
É entender que o futuro da lavoura se faz com calo, não com caneca de porcelana e filtro sépia.
Quer sair dessa?
Toma um café que não precisa de legenda poética pra te emocionar.
Que não vem com glossário, nem com moral de vitrine.
Vem com gosto. Com raça. Com chão.
Toma um Kawá Caramelo:
Você não vai sentir hibisco, nem flor do cerrado molhada no orvalho da manhã. Vai sentir café.
Bem feito. Por gente de verdade. Com história de verdade. Com calo na mão e barro na bota.
Clique aqui e prova.
Ou continua tomando café de feed, apresentado por quem nunca precisou viver da terra.
Mas aí nem Deus, nem Freud e nem a Fazenda Jotacê podem te ajudar.
Um gole de verdade.
Luriê da Jotacê